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Renato Suttana [Barbacena/Barroso/MG, 1966]. Escritor/poeta, tradutor e professor universitário. Entre vários outros títulos, é o autor de Visita do fantasma na noite (poesia, 2002), O livro da noite (prosa, 2005), João Cabral de Melo Neto: o poeta e a voz da modernidade (Editora Scortecci, 2005), Bichos (poesia, 2005), Uma poética do deslimite: poema e imagem na obra de Manoel de Barros (Editora da UFGD, 2009), Fim do verão (poesia, 2009), Qualquer um (poesia, 2010), Outros bichos (poesia, 2011), música de pianola (2018) e O esquecimento necessário (2020). Tem poemas publicados em coletâneas e revistas literárias do Brasil e de Portugal. Leia mais em O arquivo de Renato Suttana: http://www.arquivors.com/index.htm
CIRCO
Um pouco do meu grito eu lhe darei,
com enfeites de prata e de turquesa.
Um trapo do meu sonho sem beleza
e outro da minha capa eu lhe darei.
O mapa do caminho (que não sei)
e um suvenir da antiga fortaleza:
cores, vidrilhos e delicadeza,
parte do meu abraço eu lhe darei.
Um punhado de escuro, um pensamento
e um terço dos meus livros e um fragmento
da estátua de algum fauno que roubei.
Metade do meu ouro e o meu orgulho
e um pergaminho achado sob o entulho.
Um pouco do meu circo eu lhe darei.
A MÁSCARA E O PUNHAL
A máscara e o punhal
foram guardados juntos
numa arca de janeiro:
foram guardados juntos
para o silêncio da noite,
para os senões da tarde,
para as chuvas que virão.
A máscara e o punhal
foram acomodados,
juntos, em janeiro:
para as longas esperas,
para as fadigas,
para os cactos e as pedras,
para a precariedade
dos abrigos,
para as acrobacias falhadas
e o silêncio.
(Para as decepções
e os vinte mil caminhos
que há no silêncio:
de janeiro até o sono,
entre as arestas.)
A máscara e o punhal
foram guardados juntos
numa arca de pensamentos,
entre os destroços de janeiro
e as chuvas que virão:
foram guardados juntos
para o futuro das aves,
para a glorificação da névoa,
no teu sono.
III
Coisas de vidro entre as mãos
(que segurá-las é em vão) —
quando me escapam dos dedos,
tornam-se muitas no chão.
Coisas que só de pensá-las
um devaneio me vem:
quem sabe o de achar a bússola,
quem sabe o de ser também.
Coisas que nunca puderam
ser mais que aquilo que são:
poucas, se as tenho entre os dedos,
e muitas, quando no chão.
O BESOURO
Como uma semente do ar
o besouro
estraleja
contra a janela.
Vem
de onde ninguém —
e vai
para onde
cai.
(Kafka talvez
não o tenha notado,
mas
o corpo de um besouro
é perfeitamente adequado
ao ser-
besouro:
grosso
caroço
de preto
e som
lançado ao vento.)