4 poemas de Renato Suttana

renato suttanahttps://www.facebook.com/renato.suttana.54

 

Renato Suttana [Barbacena/Barroso/MG, 1966]. Escritor/poeta, tradutor e professor universitário. Entre vários outros títulos, é o autor de Visita do fantasma na noite (poesia, 2002), O livro da noite (prosa, 2005), João Cabral de Melo Neto: o poeta e a voz da modernidade (Editora Scortecci, 2005), Bichos (poesia, 2005), Uma poética do deslimite: poema e imagem na obra de Manoel de Barros (Editora da UFGD, 2009), Fim do verão (poesia, 2009), Qualquer um (poesia, 2010), Outros bichos (poesia, 2011), música de pianola (2018) e O esquecimento necessário (2020). Tem poemas publicados em coletâneas e revistas literárias do Brasil e de Portugal. Leia mais em O arquivo de Renato Suttana: http://www.arquivors.com/index.htm

 

 

CIRCO

 

Um pouco do meu grito eu lhe darei,

com enfeites de prata e de turquesa.

Um trapo do meu sonho sem beleza

e outro da minha capa eu lhe darei.

 

O mapa do caminho (que não sei)

e um suvenir da antiga fortaleza:

cores, vidrilhos e delicadeza,

parte do meu abraço eu lhe darei.

 

Um punhado de escuro, um pensamento

e um terço dos meus livros e um fragmento

da estátua de algum fauno  que roubei.

 

Metade do meu ouro e o meu orgulho

e um pergaminho achado sob o entulho.

Um pouco do meu circo eu lhe darei.

 

A MÁSCARA E O PUNHAL

 

A máscara e o punhal

foram guardados juntos

numa arca de janeiro:

 

foram guardados juntos

para o silêncio da noite,

para os senões da tarde,

 

para as chuvas que virão.

A máscara e o punhal

foram acomodados,

 

juntos, em janeiro:

para as longas esperas,

para as fadigas,

 

para os cactos e as pedras,

para a precariedade

dos abrigos,

 

para as acrobacias falhadas

e o silêncio.

(Para as decepções

 

e os vinte mil caminhos

que há no silêncio:

de janeiro até o sono,

 

entre as arestas.)

A máscara e o punhal

foram guardados juntos

 

numa arca de pensamentos,

entre os destroços de janeiro

e as chuvas que virão:

 

foram guardados juntos

para o futuro das aves,

para a glorificação da névoa,

 

no teu sono.

 

III

 

Coisas de vidro entre as mãos

(que segurá-las é em vão) —

quando me escapam dos dedos,

tornam-se muitas no chão.

 

Coisas que só de pensá-las

um devaneio me vem:

quem sabe o de achar a bússola,

quem sabe o de ser também.

 

Coisas que nunca puderam

ser mais que aquilo que são:

poucas, se as tenho entre os dedos,

e muitas, quando no chão.

 

 

O BESOURO

 

Como uma semente do ar

o besouro

estraleja

 

contra a janela.

Vem

de onde ninguém —

 

e vai

para onde

cai.

 

(Kafka talvez

não o tenha notado,

mas

 

o corpo de um besouro

é perfeitamente adequado

ao ser-

 

besouro:

grosso

caroço

 

de preto

e som

lançado ao vento.)

 

 

 

 

 

 

 

 

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